Livro: Memória da Água
Título original: Memory of Water
Autor (a): Emmi Itaranta
Páginas: 288
ISBN: 9788501103116
Sinopse: "Num futuro distante, depois de muitas guerras, a Europa foi dominada pela China, e o bem mais precioso dos tempos antigos se tornou tão escasso quanto a liberdade. A água passou a ser controlada e distribuída em cotas pelos militares. Noria é filha de um mestre do chá, uma profissão muito antiga que tem conhecimento sobre a localização das nascentes de água. Ela está sendo treinada para substituir o pai, e dentre todos os ensinamentos, ele revela à filha seu maior segredo: uma fonte natural escondida que fornece água para a família. Desamparada em um mundo destruído, ela começa a questionar o significado de tamanho privilégio. Guardar esse segredo é negar ajuda ao restante de população, e ajudá-los é colocar em risco a própria vida: os militares punem severamente quem for descoberto desfrutando de alguma fonte ilegal de água. Como o pai a ensinou, é preciso ter sabedoria para compreender o verdadeiro poder da água. Mas Noria também aprendeu que a sabedoria representa, acima de tudo, o poder de decidir seu próprio destino, a escolha entre lutar e se entregar."

    Emmi Itaranta é uma autora renomada e com diversos caminhos trilhados. A autora já se envolveu com dramas e escritas criativas, sendo que já foi dramaturga, crítica de teatro e colunista. Sua principal obra, Memória da Água, foi indicado ao Philip K. Dick Award e ganhou diversos outros prêmios. 
   
   Existe aquele tipo de livro que te chama atenção desde o início, e posso dizer que foi isso o que ocorreu com Memória da Água. Não sei bem o que me atraiu para a obra, um pouco, creio, da sinopse misturado com a arte encantadora da capa; uma beleza cálida, meio escondida, mas que deixou muito interessada na história que o livro poderia estar escondendo. O fato de ser um drama chinês, envolvendo elementos que eu nunca tive conhecimento sobre, também ajudou muito; foi o tipo de livro que eu queria muito mesmo gostar, por ser tão diferente. Mas, ainda que se trate de um livro bom, não encontrei aqui tudo o que esperava. 
   A obra é narrada pela própria Noria, em primeira pessoa, e vai contando a história de uma maneira bonita, quiça poética. Esse foi, na realidade, meu aspecto favorito do livro, já que o modo como a autora consegue descrever os acontecimentos e organizar a narração é realmente bonito. Não é sempre que os fatos ocorrem de modo linear, mas, sim, a história "vai e volta", nos trazendo uma perspectiva muito interessante. 
   Já no começo do livro é claro que não se trata de um simples drama. É algo muito além disso, que envolve diversos fatores, como o amor, a ganância, segredos e o dever, especialmente; e, para mim, a autora não poderia ter acertado mais em seu como de construir todo esse plano de fundo, em expressar, especialmente através da escrita, o sentimento, que, por falta de palavras, digo ser oriental. Senti como se estivesse conversando com os amigos de Noria, caminhando pelos morros do vilarejo e sentindo o cheiro do chá milenar, e isso é uma qualidade incrível para uma história: a de inserir o leitor em seu cenário.


   Por outro lado, apesar de ter amado o modo como Itaranta resolveu narrar os fatos, um fator relacionado a isso foi um pouco decepcionante: o desenrolar da história. Conforme as páginas iam passando e eu ia entendo mais todo esse tão diferente universo no qual o livro se passa, fiquei esperando o momento em que algo aconteceria, em que o enredo atingiria o seu ápice... e isso nunca veio. É claro, temos alguns problemas que precisam ser resolvidos e coisas pequenas, mas nada, repito, nada!, que valesse a pena ser nomeado de clímax ou que trouxesse, pelo menos, um pouco de suspense à obra ocorreu.
   E isso foi, sim, desapontador. Eu queria tanto gostar do livro, que, creio eu, se mais bem pensado e com uma história um pouco mais complexa, poderia ter sido excepcional. Mas, infelizmente, faltou um pouco de dinamismo, e acabei ficando deveras frustrada quando, um pouco depois da metade da obra, eu já consegui prever o final. Havia muitas coisas interessantes que a história poderia ter coberto, lados diferentes que poderia ter sido abordados, mas isso não ocorreu.
   Em relação aos personagens, é difícil explicar como me senti em para com a Noria. Acredito que a melhor maneira para descrever meu apego à personagem é comprando-a a uma irmã mais nova: meio irritante, muitas vezes ingênua e infantil, mas eu acabei me afeiçoando a ela. Muitas de suas atitudes são imprudentes, ou, variando a um extremo oposto, pensadas de um modo em que, ao tentar ser altruísta e não entender o valor de certas atitudes e sacrifícios, ela cometeu muitos erros.




   Ao mesmo tempo, gostei bastante de alguns dos personagens secundários, em especial o pai de Noira. Ele foi o mais bem desenvolvido da trama, em minha opinião, e sempre soube o que fazer e estava ciente dos acontecimentos e de suas consequências. É, como já disse: apesar de ter uma certa afeição à Noira, acredito que ela não tinha a força, o carisma e "brilho" suficiente para ser a protagonista de uma história, o que tornou a trama, durante alguns bons capítulos, apagada demais. 
   Mesmo com os eventuais contras, afirmo que é, sim, uma leitura interessante. Memória da Água conseguiu passar muito bem sua mensagem e trazer certa reflexão ao leitor; confesso que, pessoalmente, comecei a me perguntar e lamentar sobre o modo como tratamos hoje o bem tão precioso que é a água. É impossível, dado aos fatos que já ocorrem hoje — com a escassez tão próxima a nós, e não mais uma realidade distante —, não imaginar se, em alguns anos, nossa sociedade não será tão triste e penosa como a que esse livro retrata. 
   O design fica por conta da Galera, que um ótimo trabalho. Gostei da capa, ainda que ache que ela poderia ter sido feita de modo diferente, para chamar mais atenção ao livro e o tema. A diagramação interna é bonita, mas simples, com uma tradução de boa qualidade; também não encontrei, durante as 288 páginas do livro, nenhum erro de revisão ou ortografia. 
    Por fim, trata-se de uma boa história, ainda que não seja a mais envolvente entre elas. Recomendo para os leitores de dramas e temas mais lentos de digerir, que procuram algo mais reflexivo do que feito para entreter. É um livro que gostei, mas creio que talvez minhas expectativas tenham o diminuído para mim. 
Primeiro parágrafo do livro:
"A água é o mais versátil de todos os elementos. Assim disse meu pai no dia em que me levou para o lugar que não existe. Embora tenha errado em muitas coisas, estava certo a respeito disso, pelo menos é no que ainda acredito. As águas mudam conforme a lua, abraçam a terra, não têm medo de morrer no fogo ou viver no ar. Entre na água de leve e sentirá um toque tão doce que quase se confunde com a pele. Mas choque-se contra ela e a água o quebrará em pedaços. Um dia, quando ainda existiam invernos no mundo — invernos frios, invernos brancos, invernos de cujos abraços era preciso deslizar e fugir para se aquecer —, dava para andar sobre a água cristalizada, chamada gelo. Já vi gelo, mas apenas na forma de cubos pequenos feitos pelo homem. A vida toda imaginei como seria andar sobre um mar congelado."
Melhor quote:
"Somos filhos da água, e a água é amiga próxima da morte."


Um Comentário

  1. Concordo com TUDO que você disse, a escrita poética da autora é linda, retirei muitas citações do livro, mas sabe, Noria cometeu tantos erros, focou tanto numa crise existencial e em questionamentos que nada, nada aconteceu durante a história, e que final foi aquele....
    Sua resenha está ótima, adorei o blog e já estou seguindo! Beijinhos

    http://simplyradioactive.blogspot.com.br/

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