Livro: Ovelha
Autor: Gustavo Magnani
Editora: Geração Editorial
Páginas: 227
ISBN: 9788587303253

Sinopse: Este livro, estreia impressionante de um jovem e talentoso escritor, é o relato pecaminoso de um decadente.  A história de um homem religioso e carismático, temente a Deus, mas amante insaciável de sua própria carne exótica, a carne de outros homens. Um pastor gay, casado com uma ex-prostituta, filho de uma fanática religiosa. Neurótico e depravado. E agora condenado. Internado num hospital, debilitado e com um segredo de uma tonelada nas costas, este personagem atormentado decide libertar-se de seus demônios e relatar seu drama. Num relato cru e sem censura, ele literalmente vomita seus trinta anos de calvário e charlatanice na cara da congregação (e de qualquer um que se interesse por um bom inferno). Sexo, paranoia, corrupção e destruição são os ingredientes tóxicos dessa obra provocante, polêmica e inovadora.

O jovem escritor paranaense Gustavo Magnani, também idealizador do maior blog literário do Brasil – Literatortura –, apresenta em primeira mão sua mais nova estreia no universo literário: Ovelha: memórias de um pastor gay, com a promessa de ser mais um best-seller nacional, enriquecendo nossa literatura brasileira contemporânea com um tema inovador para os dias atuais.
Todos sofrem dilemas ao longo do caminho que percorrem na vida. Mas algumas pessoas se deparam com peculiaridades vistas pelos olhos de muitos como sendo improváveis, ou como aberrações – visões que podem ser influenciadas por vários meios, como o religioso, por exemplo. E é exatamente essa a trama do livro, ao retratar as memórias de um pastor que, ao se descobrir homossexual, lutou contra tudo em que acreditava e contra si mesmo para aceitar-se como tal – o que, em momento algum, ocorre de fato, pois ele buscava todas as saídas possíveis para se ver "livre" do que sentia, mas, ao mesmo tempo, seus esforços acabavam sendo em vão quando ele não resistia a fazer o que considerava (e pregava) ser errado.
Enfermo, internado num hospital católico, o pastor, vendo-se a beira da morte, resolve escrever uma espécie de carta, que acaba se transformando em relatos aleatórios sobre sua vida e sobre seus pensamentos acerca do mundo religioso em comunhão com o resto do mundo. Medindo de acordo com o que fez ou viu enquanto tentava conciliar sua vida dupla: uma dentro de casa e da igreja, com seus filhos, sua mãe e sua esposa; e a outra, desregrada, marcada pelo adultério com homens e mulheres, com os quais, de certa forma, chegou a construir histórias que o marcaram.
Além disso, deixa claro que as memórias também servem para que ele peça perdão a todos aqueles a quem magoou ou enganou com a vivência dessa dualidade, a qual escondia muito bem. Dividido em quatro partes, o livro mostra a imagem de um homem decadente, covarde e infeliz, pressionado pela própria mãe e pelo peso que ele acatou que ela pusesse às suas costas, alguém que não soube aceitar a si mesmo por estar preso a dogmas ligados mais às outras pessoas do que à própria religião.

Aceitei ler o livro de bom grado por acompanhar o canal do YouTube e o blog literário do autor, que sempre citava o livro e quando ele seria lançado, fazendo com que me interessasse cada vez mais pela história. Sua peculiaridade em meio a outras leituras do tipo que já tive acesso, e sua promessa de polemizar a questão “homossexualidade vs. religião” era-me muito atrativa. O lado polêmico e provocativo não chegou a me afetar totalmente, mas a linha de pensamento me deixou satisfeita, tocando em assuntos pungentes para quem, como eu, segue a religião cristã.
A narrativa seguiu de forma aleatória, e, já no início, o autor utilizou-se da metalinguagem, fazendo com que o personagem explicasse para o leitor que em alguns momentos faria uma narrativa linear, e, em outros, apenas filosofaria, dissertaria sobre o que lhe viesse à mente — tão moribunda quanto o corpo. Uma linguagem muito bem trabalhada (imposta de um jeito a combinar com o que era narrado em seus capítulos curtos), ora polida, ora informal, cheia de vícios, símbolos cibernéticos fazendo menção à sexualidade e palavrões – esta segunda forma, dando um peso maior à história. Também captou perfeitamente a linguagem usada em cultos de adoração comuns em igrejas protestantes.

"O empirismo não é a base de todo raciocínio lógico... se fosse assim, silenciaríamos os estudiosos de leis gays porque são héteros? Parece-me tanto uma disputa de ego, meu pastor: quem está no privilégio de dizer? Quem tem as melhores articulações, não quem sofreu na pele".

Alguns capítulos me chamaram atenção por serem reservados a uma opinião própria, sendo social e religiosa, fugindo, como sempre, da linearidade, e mostrando uma visão de mundo sincera e brutal. Uma alta dose de sarcasmo foi um ponto essencial da história, deixando de lado o politicamente correto que se faz presente (e isso pode ser visto com bastante frequência nos tempos atuais) em todos os âmbitos, especialmente sociais e religiosos. A quebra desse tabu na narrativa tornou tudo mais leve – e, em minha visão, não tanto provocativo como parecia propor (o que não significa que algumas pessoas não podem escandalizar-se).
Por momentos, pensei que o livro sofria de erros de revisão, pois o emprego de letras minúsculas nas iniciais de nomes próprios e em referências à Deus era muito frequente, mas, então apercebi que, quando outra pessoa citava os tais nomes, a inicial maiúscula era empregada. Então, provavelmente a diferença estava com o personagem narrador: como quando citava a sua mãe, por exemplo, era sempre como “Mamãe”, e um parentesco tratado com inicial maiúscula dá um significado de superioridade, o que faz todo o sentido ao decorrer da história.
   A mãe do protagonista era posta na berlinda em muitos capítulos, e, em alguns momentos, parecia mais superior que Deus na vida do pastor; pela sua autoridade que empurrara o filho pelos caminhos que ela achava que ele deveria seguir. O personagem afirma que não havia escapatória, que seu destino fora traçado por Deus e pela mãe, negando o livre-arbítrio que — pela religião que pregava — devia acatar. Foram personagens construídos com o mais alto grau de humanidade – com muitos erros, acertos, pecados, corrupções, hipocrisias, etc. — e, em cada um deles, o protagonista encontrava um refúgio, algo em que se apoiar para justificar suas falhas, desde seus “amores proibidos”, até seus filhos, a quem dedicou todo o amor e as melhores palavras das memórias.



 A dubiedade do pastor também é um tópico que merece destaque. Por estar numa posição relativamente alta perante a igreja, seus questionamentos eram por demais variados, como questionar a existência de Deus, por exemplo. Logo em seguida, mudava de ideia, arrependia-se. Estava em gradual modificação por dentro, mas para os outros, mantinha a capa de homem correto e íntegro, que pregava veementemente contra a homossexualidade. E, mesmo durante seus momentos de luxúria com amantes secretos, ele não era totalmente honesto, mentindo sempre sobre si mesmo.
Toda a vitimização e drama do personagem principal, fez com que ele se tornasse pequeno diante de sua própria história, e isso foi um pouco incômodo. O tom provocativo, mesmo com ironias bem aplicadas, deixou a desejar, tornando cenas, que deveriam ser realmente ousadas, em cômicas, soando como algo forçado, por fugir de sutilezas. Entretanto, a dualidade e os fortes personagens citados – mesmo que poucas vezes – na obra, além de um grande poder argumentativo durante as reflexões do protagonista, foi bem satisfatório.
O trabalho simples da diagramação fez com que a história fluísse com precisão e polimento. A capa, que lembra a estrutura de uma bíblia tradicional, deu um contraste a toda a temática da obra, dando o ar de seriedade e passando a mensagem crua, fria e dura que a obra pretende realmente passar.
Ovelha – Memórias de um pastor gay, tem uma abordagem forte, pondo em voga um tema que tem sido cada vez mais discutido, e por isso, com certeza tem o poder de atrair bastante público, que, por sua vez, para enxergar a obra como um todo, deve se livrar de pensamentos arraigados de qualquer tipo de influência (principalmente ideológica). Faz-se necessário um conhecimento social e religioso acerca do assunto, para que seja tratado com a maturidade e sensibilidade que merece.
Primeiro parágrafo do livro: “Perdão, comecei agressivo demais, senhor. É a falta de experiência. A mão suada, de tantas punhetas, segura outro objeto em riste, a caneta; não tão habituada à minha textura, ela teima em escorregar nas palavras e desviar os pensamentos”.
Melhor quote: “Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e as fracas para confundir as fortes”.



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