Livro: A Melodia Feroz
Título Original: This Savage Song
Autor(a): Victoria Schwab
Editora: Seguinte
Páginas: 384
ISBN: 978-85-5534-041-3
Sinopse: Kate Harker e August Flynn vivem em lados opostos de uma cidade dividida entre Norte e Sul, onde a violência começou a gerar monstros de verdade. Eles são filhos dos líderes desses territórios inimigos, e seus objetivos não poderiam ser mais diferentes. Kate sonha em ser tão cruel e impiedosa quanto o pai, que deixa os monstros livres e vende proteção aos humanos. August também quer ser como seu pai: um homem bondoso que defende os inocentes. O problema é que ele é um dos monstros, capaz de roubar a alma das vítimas com apenas uma nota musical. Quando Kate volta à cidade depois de um longo período, August recebe a missão de ficar de olho nela, disfarçado de um garoto comum. Não vai ser fácil para ele esconder sua verdadeira identidade, ainda mais quando uma revolução entre os monstros está prestes a eclodir, obrigando os dois a se unirem para conseguir sobreviver.

DUOLOGIA "MONSTROS DA VIOLÊNCIA"
    1.  A Melodia Feroz
    2.  Our Dark Duet (Nosso Dueto Sombrio, em tradução literal | 13 de junho de 2017)

Victoria Schwab é autora de romances jovens adultos e de fantasia, como A Guardiã de Histórias e a série Um Tom Mais Escuro de Magia. Quando não está escrevendo ou sonhando com monstros em algum café, Victoria gosta de viajar, fazer biscoitos e assistir a séries da BBC. A Melodia Feroz é o primeiro livro da série Monstros da Violência, lançado em 2016 nos Estados Unidos e em 24 de maio aqui no Brasil pela Editora Seguinte, selo da Companhia das Letras.

    Os Estados Unidos se dividiu em dez territórios após um colapso político e econômico. Para se reconstruir, ele não apenas se dividiu nesses dez territórios como também tornou cada um deles independentes. O mais imponente é Veracidade, mais conhecida como Cidade V. Também é o mais temido, pois, com tantos anos de guerras, monstros começaram a se originar a partir da violência dos humanos. Veracidade é dividida por dois lados: o Norte, controlado pelo tirano Callum Harker, que fez com que os monstros que habitam seu território sejam propriedade dele definindo essa servidão com a marca do seu H em seus rostos; além disso, se a população quer se ver protegida de tais monstros, tem que pagar altas quantias em dinheiro para ele. Do lado Sul, quem está no comando é Henry Flynn, um homem bom que faz de tudo para manter seu povo sob proteção evitando que um nova guerra venha a eclodir.
    Existem três tipos de monstros: corsais, malchais e sunais. Esta última categoria é a mais rara e mal se sabe sobre eles. Apenas o lado Sul contém essas criaturas que, ao contrário dos demais monstros, conseguem assumir a forma humana quando não se entregam à maldade das trevas. Além disso, têm a forma mais sublime de atacar: através da música, eles roubam as almas dos humanos, e assim se alimentam. August Flynn é um dos três protegidos de Henry Flynn, que o criou como filho. Mas August não aguentava ficar preso em casa só com a permissão de sair à noite para se alimentar. Ele queria ajudar naquela batalha, a proteger a população do Sul. Depois de muito insistir, seu pai e seu irmão mais velho, também um sunai, lhe designam a missão de ficar de olho em Kate Harker.
    Kate é filha de Callum Harker e pretende ser digna de herdar tudo o que o pai conquistou através de tirania e ambição. Porém, desde a morte de sua mãe num acidente de carro enquanto as duas fugiam juntas da fortaleza Harker, o pai a tem afastado sempre que pode. Mas tudo o que Kate quer é ficar perto dele e mostrar do que pode ser capaz. Por isso, arrasta consigo um histórico longo de rebeldias a cada internato em que seu pai lhe coloca – sempre na região do Ermo, local neutro na guerra – até que ele finalmente concorda que ela volte a morar com ele em sua fortaleza na Cidade V, e a matricula numa escola do lado Norte. O que ele não sabe é que lá um sunai está a espreita de sua filha. 
    No meio colegial, Kate e August logo se identificam. Ambos não conseguem se misturar com facilidade – ela, por ser uma Harker com uma péssima reputação por todas as travessuras que aprontou em colégios anteriores; ele, além sempre ter estudado em casa e não ter sido educado para conviver entre tantas pessoas, não consegue se encontrar ali porque sabe que não é humano como os outros e tem que fingir o tempo todo ser quem não é. Mesmo tendo recebido a missão de vigiar a filha do inimigo, ele não consegue evitar gostar de Kate. Mesmo acreditando que não deve se misturar com os outros por ser uma Harker, ela não consegue evitar gostar de August. E é assim que surge a união que pode vencer aqueles que pretendem iniciar uma nova guerra e acabar com a paz na Cidade V.

"Monstros grandes e pequenos, cadê?
Eles virão para comer você.
Corsais, corsais, dentes e garras,
sombras e ossos abrirão as bocarras.
Malchais, malchais, cadavéricos e sagazes,
bebem seu sangue com mordidas vorazes.
Sunais, sunais, olhos de carvão,
com uma mordida sua alma sugarão".

    Por muito tempo meu histórico literário foi basicamente constituído por Young Adults (YAs). As histórias fantasiosas sempre me agradaram, mas com o tempo – e com o excesso de YAs – a fórmula pronta que esse gênero costuma adotar fez com que me afastasse um pouco desse tipo de livro e as minhas leituras atuais acabaram se tornando escassas deles. A única série YA que conseguiu atingir minhas expectativas recentemente foi a trilogia Feita de Fumaça e Osso. Mas confesso que quando li a sinopse de A Melodia Feroz fiquei muito interessada, não só porque muitos blogs que acompanho já fizeram boas recomendações dele como também pela história que me remeteu a distopias. Dessa forma, embarquei animada na leitura e não me arrependi, já que ela conseguiu chegar ao nível de Feita de Fumaça e Osso sem dificuldades.
    A narrativa é em terceira pessoa e tem como focos August e Kate, que alternam os capítulos. Por ser onisciente, o narrador consegue atingir todos os pensamentos dos dois personagens onde podemos nos deparar com o desenrolar da história de Veracidade através de seus olhos – assim como as impressões que um tem sobre o outro. Por isso, a narrativa é marcada por muitos flashbacks e é importante sempre estar atento ao início de um – eles surgem no meio da história sem avisos prévios e pode ser complicado distingui-los. A escrita de Schwab é moderadamente descritiva, ou seja, sem excessos nem escassez. Ela consegue manter um perfeito equilíbrio através de uma linguagem simples e polida.
   O livro se divide em quatro partes – sem contar com prólogo e epílogo – e cada uma delas marca uma fase nova no enredo. Tudo se passa em torno de duas semanas e mesmo assim parece que se passa em mais tempo porque são muitos detalhes e muita história do passado sendo contada. O que mais me agradou foi o clima distópico – do qual eu esperava muito, já que era o que a sinopse prometia de forma leve. Por isso atingiu minhas expectativas, e não só por ter unido o gênero YA com uma distopia, mas por ter sido original, e essa é uma coisa que faz falta no mercado editorial desse gênero.
  Os personagens foram construídos de forma incrível. August, por exemplo, me conquistou de imediato com seu jeito dócil e ao mesmo tempo determinado. Ele era um garoto confuso com suas origens e com a vida que levava – estava sempre com o dilema entre ser ou não um monstro. Isso o tornou um bom personagem porque ele lutava contra a corrente e, à medida que a narrativa evoluía, ele descobria seu verdadeiro valor. Com Kate foi mais difícil. Não me conquistou facilmente, pois não conseguia entender o que se passava em sua cabeça já que ao mesmo tempo em que detestava as atitudes do pai ela queria ser como ele (essa foi uma das questões que comentei no Li até a página 100 e...). 
    Foi um trabalho árduo perceber que Kate estava tão perdida quanto August, e talvez por isso eles tenham se encaixado tão bem – algo inesperado, porque antes de se encontrarem e interagirem, eu jurava que aquela relação não ia funcionar, eram muito diferentes, afinal de contas. Ela era rebelde demais, violenta, buscava sempre chamar a atenção como uma garota mimada. Enquanto ele buscava sempre a honra, a justiça e ser uma pessoa melhor. Quando os dois se uniram para lutar contra os monstros – e humanos – dispostos a reiniciar a guerra, foi uma parceria que deu certo e não pareceu artificial (se eu digo "deu certo" não quer dizer que não tenha havido atritos no caminho, mas com certeza foram personagens que evoluíram muito um com o outro e isso foi delicioso de observar). Era simplesmente impossível não torcer para que desse certo.
    Já os demais personagens também foram bem construídos e tiveram a capacidade de conquistar facilmente, como Ilsa, uma das sunais irmãs de August, e Henry, seu pai, alguns do melhores depois do protagonista. Até mesmo os antagonistas foram bem trabalhados  porém, senti falta de uma maior abordagem em torno de Callum Harker, ficou aquela impressão de que o personagem só foi montado na mente dos leitores através do que falavam sobre ele, sua reputação, e não baseado em suas aparições.

"— Por que tem tantas sombras no mundo, Kate? Não deveria ter a mesma quantidade de luz?" (p. 315)

    Porém, outro fator que eu comentei no Li até a página 100 e... foi a falta de ritmo que a escrita teve no começo. Começos de histórias são muito difíceis de serem escritos (e finais também, o mais tranquilo talvez seja o "meio"), sei bem disso, mas com um pouco de tato pode-se encontrar uma boa forma de prender o leitor. Confesso que foi complicado continuar a leitura mesmo depois da página 100. O ritmo começou a melhorar quando os contatos entre Kate e August se tornaram mais frequentes, porque mesmo com a boa construção dos demais personagens, apenas a interação entre os dois fez com que a narrativa fluísse nos primeiros capítulos. A causa rebelde – dos monstros e humanos que se revoltam e querem o retorno da guerra – não foi trabalhada de forma muito intensa como eu esperava, já que é isso que forma o antagonismo do livro. Senti falta de conhecer melhor as motivações dos personagens por trás de todas as armações e perseguições aos protagonistas. 
    A capa é muito bonita e, apesar de ter achado – esteticamente falando, por ter uma carga mais leve de elementos – a original melhor, com um fundo branco sob letras vermelhas, esta retrata de forma fiel o conteúdo do enredo. O contorno do violino abarcando os resquícios de uma rua vazia e feia é exatamente o contexto da obra e não poderia exigir algo melhor. Apesar de ser a edição de prova, tem uma diagramação impecável além de ótimas tradução e revisão.
   A Melodia Feroz traz uma história envolvente com espaços para reflexões acerca da natureza humana através da evolução de seus protagonistas. Em suma, o que Kate e August ensinam é que não há como ser totalmente bom ou mal – pode haver luz numa garota que cometeu atos terríveis só porque queria receber o afeto do pai, assim como pode haver trevas num garoto que quer sempre agir com justiça sem ferir ninguém. Todo o universo criado por Schwab é cheio de uma originalidade que segue um enredo digno de YA e que é capaz de deixar qualquer leitor pedindo por mais. Estou ansiosa para o segundo e último livro, onde espero ver um maior desenvolvimento da relação entre os protagonistas (que não necessariamente formam aqueles clichês românticos) e dos demais personagens – afinal um desfecho aberto e repleto de promessas é tudo o que um leitor precisa para aumentar sua sede de ansiedade.

Primeiro parágrafo: "Na noite em que Kate Harker decidiu botar fogo na escola, ela não estava revoltada nem bêbada. Estava desesperada".
Melhores quotes: "Não importa se é monstro ou humano. Viver dói".
"Prefiro ser capaz de ver a verdade do que viver uma mentira".


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